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segunda-feira, 25 de abril de 2016

O CÃO DO SEGUNDO LIVRO



Uma das expressões mais populares no Nordeste do Brasil é dizer que alguém é o “Cão do Segundo Livro”, significando que essa pessoa é monstruosamente boa ou habilidosa em algo ou monstruosamente má e usa sua inteligência para criar problemas para os outros.

A expressão tem origem nos tempos em que a educação no nosso país era bem mais precária e um dos poucos livros disponíveis para os alunos eram os livros de leitura do professor Felisberto de Carvalho.

No Segundo Livro de Leitura havia uma lenda árabe de fundo moralista onde o demônio aparecia para um jovem dizendo que iria matá-lo a não ser que ele fizesse uma escolha entre três possibilidades: matar o pai, espancar a irmã ou se entregar ao vício da embriaguez.

O jovem, querendo proteger seus familiares, decidiu pela terceira opção. Embriagou-se, matou o pai e espancou a irmã.

Como naqueles tempos a evasão escolar era muito maior que hoje, muitas das crianças só tinham acesso ao Primeiro Livro de Leitura e nunca chegavam a ler o segundo volume, não conhecendo assim o Cão do Segundo Livro, de cuja maldade só ouviam falar.

O deputado Eduardo Cunha atualmente é visto como sendo o próprio Cão do Segundo Livro pela maior parte dos eleitores brasileiros. E não sem razão.

Acusado de receber propinas e não declarar contas secretas na Suíça, Eduardo Cunha é o primeiro presidente da Câmara dos Deputados denunciado pelo Ministério Público Federal, acusado também de usar o cargo para atrapalhar as investigações e fazer manobras contra o governo da presidente Dilma Rousseff.

Conhecedor profundo dos meandros e mecanismos da Câmara Federal, Cunha elegeu-se presidente da casa legislativa com 267 votos e o apoio dos que se opunham à tentativa do Palácio do Planalto de colocar no cargo o deputado Arlindo Chinaglia, já no início dos desentendimentos do governo com o PMDB, partido ao qual Cunha é filiado.

Se o Congresso Nacional é o espelho do eleitorado brasileiro, Eduardo Cunha é o espelho da qualidade dos deputados eleitos, como foi possível ver na votação de acolhimento do pedido de Impeachment contra a atual Presidente da República.

Dos 513 deputados, quase 150 estão sob suspeita e desses, 48 já respondem a ação penal. Desses últimos, 40 votaram a favor do acolhimento do pedido de Impeachment e oito votaram contra.

O partido que tem mais investigados é o PP, seguido do PMDB, ficando o PSDB em quarto lugar e o PT no quinto, com praticamente todos os partidos entrando nessa triste listagem.

Como se pode ver, a corrupção brasileira não tem partido: ela é ecumênica.

No entanto, na demonização que se está fazendo do Presidente da Câmara como se ele fosse uma criatura do mal que quer, por pura pirraça, destruir o atual governo, comete-se um erro ao se colocar a questão como sendo uma disputa de final de campeonato de futebol.

A atual situação política não é uma partida entre Dilma X Cunha, nem Sport X Santa Cruz, Flamengo X Fluminense ou Corinthians X Palmeiras.

Isso é desviar a atenção do foco principal, do jogo de poder entre as duas facções que disputam o controle da caneta presidencial para atender interesses dos seus patrocinadores.

Se aproveitar do ardor cívico, da paixão e da ingenuidade da militância sincera que esbraveja nos dois lados, é, sem dúvida, uma maldade digna do Cão de todos os volumes de uma biblioteca!

Mobilizar as pessoas com o argumento de que não se admite uma pessoa de moral questionável dirigir a Câmara dos Deputados no processo de impedimento da presidente é não querer ver as qualidades morais da maioria dos envolvidos, em ambos os lados.

Cunha dizer que as contas na Suíça não são dele porque não estão em seu nome é como dizer que esse carro, essa casa, esse sítio ou esse sanduíche não são meus, são de um amigo ou parente que gosta muito de mim. Uma das desculpas mais antigas e esfarrapadas dos sonegadores em geral e de muitos políticos de ontem, hoje e sempre.

Metaforicamente falando, nas hierarquias das profundezas do Hades Cunha pode ter sido o Cão que liderou uma coorte para infernizar a presidente, mas ele é apenas mais um dos cães do inferno. Colocá-lo como o cérebro mefistofélico por trás de tudo é simplificar demais e fazer retórica de campanha eleitoral.

O atual processo de Impeachment é resultado de uma série de erros políticos, econômicos, morais e sociais, agravados pela prepotência, falta de preparo intelectual e falta de respeito pela coisa pública por parte da maioria dos envolvidos. Muitos deles que, possivelmente, nunca passaram das páginas iniciais do Primeiro Livro de Leitura.


De qualquer forma, qualquer um que decida fazer pacto com o Cão, já devia saber que ele sempre leva vantagem no capítulo final.

terça-feira, 19 de abril de 2016

EU TE CONHEÇO?



O que mais me impressionou durante a votação da admissibilidade do pedido de Impeachment da Presidente Dilma Rousseff no domingo, 17 de abril de 2016, foi constatar que eu desconhecia 90% dos deputados na Câmara Federal.

Um desfile de criaturas bizarras, dedicando seu voto a papai, mamãe, burrinho e Tia Dindinha, mas que chegaram ali através do voto popular e são os legítimos representantes dos eleitores deste país.

Concordando ou não com suas posições, somos forçados a admitir que eles são fruto dos setores que compõem a nossa sociedade, seja esse o setor dos gozadores que elegem um comediante de televisão ou daqueles que votam em um representante dos torturadores do golpe de 64 ou ainda das pessoas que tem nas questões de gênero suas principais reivindicações.

A presidente Dilma, assim como eu e a maior parte dos brasileiros, só veio conhecer a maior parte desses parlamentares no dia da votação da admissibilidade, quando ela precisou do seu apoio para tentar barrar a aprovação do processo contra seu governo na Câmara dos Deputados.

Mas aí, já era tarde.

Muitos deles se declararam estupefatos quando foram ao Palácio do Planalto para negociar seu voto com a presidente e descobriram que ela não os conhecia, não sabia seu nome nem o da sua esposa, do seu cachorrinho de estimação ou de quais forças políticas eles eram representantes em seus estados de origem.  

Dilma nunca se elegeu vereadora, prefeita, governadora, deputada estadual, deputada federal ou senadora. Foi alçada ao posto máximo da hierarquia política brasileira através da imposição do seu nome pelo seu antecessor, sempre demonstrando um total desprezo pela classe política, acreditando que eram um bando de “picaretas” fisiológicos para os quais bastava oferecer posições e verbas para aplacar sua fome de cargos e garantir sua lealdade.

Ela não chegou ao poder somente através do Partido dos Trabalhadores, que geralmente se digladia por questões paroquiais e dificilmente se entende nos assuntos onde deveria atuar com unidade.

Nem tampouco através do partido Comunista do Brasil, um partido que tem relevância histórica, mas que tem baixa representatividade no eleitorado nacional.

Apesar da sua aliança com o Partido Comunista do Brasil e com o PDT – partidos que se mantiveram coerentes no apoio à atual administração -  sua chegada ao poder deveu-se principalmente às alianças formadas ao centro e à direita do espectro político como o PP, PR, PTB, PROS, PSD e, principalmente, com o PMDB, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, no qual foi escolher o seu vice.

O PMDB é o partido com maior capilaridade eleitoral no país, estando representado em praticamente todas as cidades brasileiras e que resolve suas contradições internas com maestria, pois o poder é o café, almoço e jantar da maior parte dos seus integrantes.

Bater de frente com este partido foi o principal erro político do atual governo, pois raposas como Michel Temer, Eduardo Cunha ou Renan Calheiros, não estão ali para brincadeiras no galinheiro.

Nos dias que antecederam a votação, a oferta de cargos em troca de apoio (pelo governo e pelo vice-presidente) não foi nada mais do que uma edição condensada da tragédia da nossa realidade política.

O resultado foi uma derrota acachapante, pois, sem credibilidade, o governo não podia garantir a entrega dos cargos que negociava.

Esqueceram que um homem se vende sempre por muito menos do que vale e espantaram-se quando se viram “traídos” por aqueles que já haviam traído seus eleitores há muito tempo.

A presidente não foi derrubada.

Ela caiu em decorrência do desconhecimento que sempre a caracterizou, olhando apenas para a sua própria versão de realidade, sem ver que esta realidade é composta pela ação, reação e pensamento de milhões de pessoas.

Algumas centenas dessas pessoas, no entanto, têm direito a mandatos legítimos que podem interromper o seu governo e colocar em sua cadeira o vice que ela e seus correligionários escolheram para seus dois mandatos.

Mas se durante esses mandatos ela nunca despachou mais do que uma única vez com vários dos seus 39 ministros, como esperar que ela fosse conhecer o representante daquela cidadezinha do interior de Mato Grosso do Sul, do Maranhão ou de Pernambuco?

O desconhecimento e a ignorância são danosos para qualquer um que se arvore a dirigir uma batalha, uma guerra ou uma empresa.


Para quem ocupa a Presidência da República, esse desconhecimento é simplesmente fatal.

sábado, 16 de abril de 2016

O DIA DEPOIS DE AMANHÃ



Não importa qual seja o resultado da votação na Câmara na noite do domingo 17 de abril de 2016, o Brasil irá acordar na segunda-feira com uma bruta ressaca de quarta-feira de cinzas e uma enorme dor de cabeça em um dos lados do crânio.

Se a aprovação para o processo do Impeachment da presidente Dilma Rousseff fizer com que ele siga para o Senado, isso não significará que ela desaparecerá em um passe de mágica e que o vice Michel Temer assumirá seu cargo imediatamente.

Se o processo não seguir para o Senado, também não significará que o governo retomará o seu rumo como se nada tivesse acontecido e que a ocupante do Palácio do Planalto será deixada em paz para conduzir o país a um paraíso onde corre o leite e o mel, com o vice voltando a exercer seu papel decorativo com cara de paisagem.

Caso o processo seja aprovado pela Câmara e siga para o Senado, o balcão de negócios em que foram transformados o Palácio do Planalto e o Palácio do Jaburu verá uma movimentação de feira livre até meados de maio, com cargos sendo oferecidos em troca de apoio para qualquer dos dois lados.

Tanto o partido da presidente quanto o do vice são useiros e vezeiros nesse jogo e prometem até vender a mãe se isso for necessário para manter o poder. Não se sabe, porém, se depois de eleitos entregariam a encomenda.

Essa disputa que deveria ser um processo normal dentro da constitucionalidade, no final de contas virou uma eleição indireta como a que disputaram Paulo Maluf e Tancredo Neves em 1985.

Temer só assumiria interinamente se 41 senadores aprovassem a continuidade do processo, afastando a presidente por 180 dias, dispondo ela de 20 deles para sua defesa. 

Após esse período, se 54 senadores decidirem por seu afastamento definitivo, então o vice passará a ser o titular do mandato presidencial.

Nesse cenário hipotético, Michel Temer, com todos seus acordos firmados, nomeará ministros e funcionários do segundo, terceiro, quarto e quinto escalões com todo o direito que a nossa Constituição lhe concede e tentará reorganizar as grandes empresas para que voltem a construir e produzir, reduzindo assim o desemprego e buscando uma estabilização da moeda, mesmo com o sacrifício da população.

E com os derrotados gritando em altos brados pelas ruas que “foi golpe, foi golpe, foi golpe”!

No segundo cenário hipotético, se Dilma Rousseff se mantém no cargo, muito provavelmente tentará novamente trazer o ex-presidente Lula para o governo.

O que, no final das contas, será muito parecido com o que fez Héctor Campora na Argentina em 1973 quando, após ser eleito presidente, renunciou 49 dias depois para convocar as eleições que foram vencidas pelo ex-ditador Juan Domingos Peron, tendo sua mulher Isabelita como vice.

Com a morte de Peron no ano seguinte, Isabelita demonstrou não ter nenhuma capacidade de articulação política e foi derrubada em 1976 por um golpe militar que lançou a Argentina numa das mais sangrentas ditaduras da América Latina.

Na prática, a presidente Dilma não precisará fazer como Campora e entregar a faixa para o seu antecessor. Como Ministro da Casa Civil ele será o chefe de governo de fato enquanto ela se manterá como Chefe de Estado e o baile seguirá como num sonho pleno de estrelinhas.

Mas a realidade tem mania de contradizer os mais belos sonhos dos ratos e dos homens...

Em um terceiro cenário hipotético, se o Supremo Tribunal Eleitoral chegasse à conclusão de que a chapa Dilma/Temer ganhou com dinheiro sujo e métodos escusos, ambos teriam seus mandatos cassados e iriam responder criminalmente perante a Justiça. O Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, assumiria o governo convocando novas eleições.

Para as quais, é de se supor, o ex-presidente Lula já seja candidato desde criancinha.

Mas isso, só se a cassação ocorresse até o final de 2016. Se for em 2017, as eleições serão indiretas, como nos tempos da ditadura!


Recomendo, pois, aumentar em casa o estoque de analgésicos, remédios para o fígado e antiácidos, pois os dias depois de amanhã prometem ser plenos de náusea, dor de cabeça e muito embrulho no estômago. 

quarta-feira, 13 de abril de 2016

TEMER NÃO ME REPRESENTA. MAS É O QUE TEMOS.



Não votei em Michel Temer.

Nem tampouco votei para Eduardo Cunha ser o Presidente da Câmara, nem para Renan Calheiros ser o Presidente do Senado e também não nomeei Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki, Dias Toffoli nem qualquer dos outros muito dignos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

No entanto, como cidadão republicano submetido à Constituição do Brasil, aceito o direito que eles têm de ocuparem os postos para os quais foram eleitos ou nomeados e reconheço sua autoridade perante o povo para exercer as responsabilidades inerentes aos seus cargos.

Acho engraçado que quem votou e elegeu Michel Temer e também concordou com as indicações e nomeações do governo do qual ele é parte, agora queira colocá-lo como um representante das oposições (coisa que ele não é nem nunca foi) e questione a qualidade moral da linha de sucessão presidencial.

Quando Jânio Quadros, numa ressaca histórica, “rebolou no mato” o mandato que o povo lhe conferiu, os militares pressionaram o Congresso que, vergonhosamente e sem consultar o povo, não respeitou a Constituição e transformou num passe de mágica casuística o regime de Presidencialista para Parlamentarista, nomeando um Primeiro Ministro para assim impedir o exercício pleno da presidência pelo vice João Goulart.

Jango conseguiu reaver seu mandato presidencial através de um plesbicito, mas foi derrubado um ano depois pelo golpe de 64, com o Brasil adentrando o longo túnel da ditadura militar que obscureceu a vida política do país por vinte anos.

O Marechal Deodoro foi outro que, bem antes, no alvorecer da República, renunciou ao mandato num rompante temperamental e abriu caminho para que seu vice, o também marechal Floriano Peixoto, implantasse um regime positivista que só não foi a Era do Terror da Revolução Francesa porque não tinha armado em praça pública o instrumento criado pelo Dr. Guillotin.

Com o suicídio de Vargas, o vice Café Filho assumiu a presidência e levou o país em segurança até as eleições de 1955, que colocaram Juscelino Kubitscheck no poder.

Já quando o general Costa e Silva teve um derrame (oito meses depois de editar o Ato Institucional N° 5), os militares impediram a posse do vice Pedro Aleixo e colocaram em seu lugar uma Junta Militar que acabou por “eleger” o general Médici para ser o presidente de plantão.

Tancredo Neves, eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral, morreu sem provar o gostinho de segurar a caneta do poder, sendo substituído por seu vice José Sarney, que, bem ou mal, fez a transição do regime militar para a democracia civil.

Com o Impeachment de Fernando Collor, seu vice, Itamar Franco - nosso Forest Gump mineiro - assumiu o cargo e conseguiu acabar com a espiral inflacionária através do Plano Real, levando o país até a eleição presidencial seguinte.

Não há novidade na História do Brasil, portanto, no fato de um vice assumir o mandato presidencial no caso do titular renunciar, se suicidar, morrer de diverticulite ou sofrer um “impichamento”.

Se o impeachment da presidente Dilma Rousseff não for aprovado nem no Plenário da Câmara e nem no Senado Federal, Temer continuará seu mandato de vice decorativo, como ele mesmo se definiu; se o impedimento da presidente for aprovado, ele deve ser empossado com o direito que lhe confere a Constituição.

Eu só posso esperar que, se for esse o caso, ele tenha consciência histórica e consiga juntar os cacos de tudo isso que aí está, fazendo um governo de coalizão que leve a nossa vaca para fora do brejo.

Se ele conseguir, ficarei muito feliz e estarei na torcida para que o Brasil dê certo.

Se não conseguir, pelo menos me restará o consolo de saber que ele não chegou lá através do meu voto. 

segunda-feira, 11 de abril de 2016

O DEMO DA DEMOCRACIA




Há mais de dois mil anos os gregos definiram que a Democracia (Demo=Povo + Cracia=Governo) é o governo do povo, com o povo e para o povo.

Hoje em dia, porém, parece que temos uma democracia customizada, que pode ter um corte diferente, ser mais apertada nas mangas, mais solta nas pernas, mais comprida ou mais curta, com bolsos cada vez maiores e, de preferência, sempre ter as costas mais largas.

Churchill afirmava que ela era a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas; Millôr (sempre ele) dizia que nada garante que dez idiotas juntos decidam melhor que um idiota sozinho.

A Democracia exige que, como num condomínio, quem não compareceu à Assembleia Geral Ordinária ou que não aprovou ou não pôde impedir a aprovação de uma proposta, deve aceitar a decisão da maioria dos condôminos.

Mas se o síndico começar a fazer uma administração desastrosa, convoca-se uma Assembleia Geral Extraordinária e ele pode ser removido do cargo se a maioria assim decidir através de um processo que obedeça à sua Constituição, no caso, a Convenção do Condomínio.

Retirar Getúlio Vargas do poder em 1945 foi um ato democrático e patriótico, pois como podíamos ter ido lutar numa guerra contra os fascistas e aceitar um fascista na direção do nosso Condomínio Federal?

No entanto Vargas continuou com sua popularidade em alta mesmo durante seu exílio cinco estrelas no seu sítio de São Borja. Era criador dos dois partidos que representavam o empresariado (PSD) e os trabalhadores (PTB) e voltou carregado nos braços do povo através de uma eleição legítima em 1950.

Sem o poder do arbítrio, porém, perdeu as rédeas do poder, passou a ser questionado pela oposição da UDN (que representava as oligarquias alijadas do poder pelo golpe de 1930), restando-lhe como saída uma bala no peito para abrir o caminho da sua entrada na História.

Seria Vargas de direita ou de esquerda? Seria ele um democrata, um autocrata, um populista, um estadista, um demagogo, um líder popular ou apenas mais um dos ditadores daqueles tempos, como Fulgêncio Batista, Peron, Salazar, Franco, Hitler, Mussolini e tantos outros mais?

Getúlio era um produto da sua época e soube usar a força da comunicação (e da censura) a seu favor. Chegou ao poder através de um golpe (1930), tornou-se ditador através de outro (1937), foi afastado por mais um golpe (1945) e não soube lidar com os mecanismos democráticos que surgiram depois da Constituição de 1946.

O golpe de 64 foi fruto dos interesses de russos e norte-americanos na Guerra Fria após a adesão de Cuba ao Bloco Soviético e rasgou em pedaços a Constituição do Brasil para afastar PSD e PTB do poder, usando para isso a UDN e os militares remanescentes da Revolução Tenentista (já tornados generais) de 1930.

Os mesmos que haviam antes tentado derrubar Juscelino Kubitscheck, não o fazendo então porque as condições internacionais não estavam nem tranquilas nem favoráveis.

O processo de Impeachment de Fernando Collor, motivado por um escândalo de corrupção no valor de oito milhões de dólares (!) e um Fiat Elba, seguiu todos os trâmites estabelecidos pela Constituição de 1988, sendo ele afastado do cargo, perdendo seus direitos políticos por oito anos.

Nada mais natural que agora este ex-presidente se posicione a favor da ideia de que o processo de Impeachment é um golpe.

Se assim ficar provado, ele também teria sido vítima de um golpe e poderia até mesmo, em um momento de delírio, exigir o cumprimento do restante do seu mandato, o que não seria surpreendente na lógica absurda que atualmente parece nortear a política nacional.

A nossa Democracia é representativa e se não colocamos no Congresso Nacional representantes em quem podemos confiar, é problema de todos e responsabilidade de quem neles votou.

Agora não adianta chorar o voto derramado.

Seja qual for o resultado do processo de Impeachment ora em curso, não teremos tempos tranquilos, pois mesmo seguindo todos os trâmites legais, dificilmente o resultado da votação na Câmara e no Senado será aceito como sendo a expressão da vontade popular.

Às vezes a gente fica pensando se, na Democracia brasileira, o Demo não seria outro que não o povo... 

domingo, 10 de abril de 2016

“IMPRENSA É OPOSIÇÃO. O RESTO É ARMAZÉM DE SECOS E MOLHADOS”




“IMPRENSA É OPOSIÇÃO. O RESTO É ARMAZÉM DE SECOS E MOLHADOS” disse sabiamente Millôr Fernandes, um dos pensadores que melhor explicou o Brasil.

Vendo essa insanidade geral que tomou conta do país nos últimos tempos, fico admirando os xingamentos e posicionamentos radicais de amigos, conhecidos, desafetos e desconhecidos.

Os que são contra o Impeachment dizem que a Rede Globo tem um poder divino, capaz de mudar a realidade como uma Matrix; outros acusam a Veja de poder modificar, através das suas páginas (a serviço dos "coxinhas" e da "Dona Zelite"), os fatos e as fotos dos acontecimentos.

Coisa de uns poucos anos atrás, quem era oposição lia Veja e quem apoiava o governo lia a Isto É e acusava os leitores de Veja de serem todos alienados e manipulados porque não concordavam que vivíamos nos melhores tempos e no melhor país do mundo.

Agora a Isto É também faz a crítica ao que está acontecendo (nesta semana com um excelente texto sobre o terrorismo oficial e a transformação do Palácio do Planalto em palanque eleitoral) e o que me dizem os que antes se guiavam por ela?

Que também entrou para a conspiração da Imprensa Golpista?

Ao longo dos anos trabalhei em jornais, agências de publicidade e participei de campanhas políticas. Nunca trabalhei em fábrica de alimentos. Mas aprendi um velho adágio que diz que “jornal, política e linguiça, se soubessem como era feito, ninguém comprava”.

Então, caros amigos e caras amigas, não existe imprensa isenta: o dono do veículo tem sua opinião e o jornal ou revista a reflete. Eles não são o Evangelho nem o Corão. A gente lê, se informa, forma a própria opinião e concorda ou discorda.

Uma vez Chateaubriand chamou um repórter e disse que a matéria dele estava muito boa mas não seria publicada, pois ia de encontro à opinião do jornal.

O jornalista respondeu que era a sua opinião e que ele não a modificaria.

Chateaubriand respondeu: “Concordo com você, também defendo a minha opinião e por isso sou o dono do jornal. Se você quer publicar sua opinião, seja dono do seu próprio jornal”.

Atualmente, com um smartphone, tablet ou computador, todos têm na ponta dos dedos o seu próprio jornal.

Este é o meu.


Boa leitura!